Quinta-feira, anunciam na Antena 3 que são seis da tarde. Depois de mais um dia de trabalho desligo os computadores, despeço-me dos colegas e dirijo-me ao carro. Entro e ponho-o a trabalhar. E aí vou eu rumo à Rocha para o relax da minha casa. Passados uns 300 metros vejo uma senhora já com alguma idade a interceptar os carros e penso: “realmente Lagoa é um bidé em que toda a gente se conhece…”. Ando mais um pouco e nisto a idosa prostra-se à frente da minha viatura, dirige-se à porta do lado do pendura que, por pouca sorte minha, estava com o vidro aberto e pergunta-me: “menina, vai para Portimão?”. Eu sem saber o que havia de responder, deu-me um acesso de sinceridade e disse que sim. O que fui eu dizer… A senhora sem sequer hesitar diz: “Ah, ainda bem porque assim dá-me boleia!”. E entra no meu carro como se me conhecesse assim tipo há… 28 anos!
Eu, ainda com o síndrome de Lisboa, pensei em tudo: pôr a velha a pontapé dali para fora, telefonar à polícia, voltar para trás em busca da ajuda dos meus colegas, fazer chamadas a este e ao outro, gritar com todo o fôlego que “Deus me deu”… Enfim… estava em desespero. O que fiz eu? Perguntei: “então e onde é que a senhora quer ficar?”. Ao que a senhora respondeu: “Para onde é que a menina vai?”. Ao que eu respondi: “Vou ali para a zona da Rocha.”. Ao que a senhora respondeu: “Óptimo, dá muito bem para mim!”. Depois disto só me imaginei com a senhora a beber chá ao serão com ela a ensinar-me a fazer crochet… Pensei: “Ela não me vai largar nunca mais!”
Pus o telemóvel estrategicamente num sítio para, caso fosse necessário, fazer um telefonema e ela não dar por isso e lá fomos nós rumo a Portimão apesar de nessa altura eu só pensar que ela era uma bruxa malina (como se diz aqui) e que me levava para um sítio sinistro onde só iria encontrar pessoas com verrugas no nariz e pobres vítimas como eu que não conseguem dizer NÃO a uma velhota que nos pede boleia. Quer dizer: a bem dizer ela não me pediu. Ela impôs-me!!!
Foram os 13 km mais complicados da minha vida. Estes e todos aqueles que eu fazia quando vinha da Ericeira às 7/8 da manhã, aqueles 13 fatídicos km que vão desde a Paz até ao Gradil em que até o condutor fica com vontade de vomitar… Esteja no estado em que estiver.
Bem… a mulher falava mais que um gramofone com pilhas alcaninas duracel novas… Além de falar cantava…
Logo que entrou no carro começou por dizer que adorava cantar e que o fazia em português, inglês, italiano, espanhol e brasileiro… E eu pensei: “Oh meu Deus, que isto vai ser pior do que ir para o tal sítio sinistro!”. Falou-me de si, do seu marido (o seu primeiro e único namorado porque ela tinha vergonha de namorar com os outros, porque não é dessas que andam para aí a namoriscar com este e com aquele), dos seus filhos (que são quatro e que já lhe deram 2 netinhos e que um (dos filhos) tem 44 anos e é casado com uma alemã e têm uma filha com 4 anos que se chama Mara que nasceu no dia 22 de Fevereiro que foi o dia em que ela (a idosa) casou, e do outro que está a estudar para engenheiro técnico em Faro e do outro que não me lembro e da outra que tem um marido que é uma jóia de pessoa apesar da filha ser um bocado marafada), dos seus netos (que lhe fizeram um poema no natal que começava “Minha avó, minha linda avó, eu gosto muito de ti, porque tu cantas muito bem… não me lembra o resto), de que foi convidada para cantar num bar na praia da Rocha onde estava um inglês a tocar e ela sabia a musica que ele estava a tocar, mas em português e que ele no fim lhe pediu a letra, que no casamento da filha foi ela que cantou e foi ela que arranjou o reportório, que gostava muito de dançar e que andava sempre nos bailaricos e que dançava sempre com o mesmo moço (que não era o namorado mas nunca nada se passou entre eles), que adorava Amália e que a filha lhe tinha dado um livro que mais tarde se soube que a Amália também tinha lido… Enfim… Muita informação depois de um dia de trabalho!
Mas a melhor parte foi a das cantorias. Começou por me cantar uma que tinha qualquer coisa a ver com Pernambuco, passando depois a uma musica que não percebi se era italiana se espanhola (não sou muito boa a línguas).
Interrompeu para me perguntar se eu era de Lisboa. Foi o auge. Eu disse-lhe que sim e ela brindou-me com fados da Amália, música de marchas populares… Uma panóplia de sons do mundo.
Isto tudo estava a ser muito engraçado enquanto estávamos na N125. Agora imaginem-me com uma velhota no centro de Portimão, onde há semáforos vermelhos de 20 em 20 metros (e pessoas a passar nas passadeiras a olharem perplexas para dentro do meu carro), velhota essa que estava a cantar aos berros. E ainda por cima não podia fechar os vidros devido ao calor (sim porque nós por cá estamos com temperaturas de 25 graus), além de que se fechasse os vidros os movimentos vibratórios consequentes dos decibéis saídos da garganta daquela alma iriam provocar estragos com toda a certeza…
No meio das cantorias e do relato da sua vida pessoal, a Sra. fez-me algumas perguntas: Se eu era casada, se eu tinha filhos, se eu era católica… Ao que eu respondi a todas: não. Ao que ela comentou “Não faz mal”. Pois não, não faz mal. Apesar de tu teres invadido o meu veículo ainda sou eu que controlo a minha vida… acho eu!!!
Bem… lá deixei a Sra. no seu destino e acabou tudo por correr bem.
No final a Sra. perguntou se tinha sido muito maçadora. Pela primeira vez nesse dia consegui superar os meus acessos de sinceridade e disse: “Que jeito maçadora? Até me fez companhia!”
4 comentários:
Lição número um:
Ter as portas do carro fechadas!!
mas pronto acabou tudo ok!!
bjs
Jô
porque será que atrais estes cromos??
ele é manetas que te dão pontapés, ele é idosas malucas...
SR sempre a fazer novas amizades!!!!! :) Só tu mesmo!!!
Lindo!
carjacking chega ao Allgarve
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